O consumidor pessoa jurídica possui os mesmos direitos garantidos à pessoa física pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), se for o destinatário final do produto ou serviço em questão.
Porém, nem sempre é fácil enquadrar uma empresa como consumidora final. Nesses casos, a aplicação do CDC precisa ser analisada, considerando o equilíbrio de poder entre as partes.
Continue conosco para entender melhor quando uma empresa pode ser considerada consumidora segundo o CDC e quais outras leis garantem os direitos do consumidor pessoa jurídica.
O que caracteriza o consumidor pessoa jurídica?
A definição de consumidor está no artigo 2 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Portanto, se a pessoa jurídica for destinatária final do produto ou serviço adquirido, ela se enquadra como consumidora conforme a definição do CDC.
O que é ser destinatário final?
Ser destinatário final significa que o produto ou serviço é utilizado pela empresa em sua atividade-fim, sem fins de revenda, transformação ou incorporação na cadeia produtiva.
Em outras palavras, é quando a empresa compra para si mesma, não para produzir algo que será vendido a terceiros.
Por exemplo: uma pequena clínica veterinária que adquire um sistema de gestão para controlar seus atendimentos atua como destinatária final. Nesse caso, é possível considerá-la consumidor pessoa jurídica.
Por outro lado, uma empresa que compra papel para revenda em sua papelaria não é destinatária final. Logo, não existe o enquadramento como consumidora descrito no CDC.
Quando o CDC se aplica ao consumidor pessoa jurídica?
A princípio, as regras do Código de Defesa do Consumidor só valem quando a pessoa jurídica se caracteriza como destinatária final do produto ou serviço envolvido na disputa.
Mas, em algumas situações, a aplicação do CDC é possível mesmo sem o enquadramento como destinatário final.
Nesses casos, a Justiça avalia a existência de vulnerabilidade da pessoa jurídica lesada. Ou seja: se ela está em desvantagem na relação com o fornecedor. Nesse sentido, a vulnerabilidade pode ser:
- Técnica: quando a empresa não possui conhecimento técnico sobre o produto ou serviço adquirido;
- Jurídica: quando não tem recursos ou conhecimento para se defender legalmente;
- Econômica ou fática: quando está em posição de desvantagem financeira ou estrutural.
Portanto, o conceito de consumidor pode ser ampliado para abranger a pessoa jurídica, mesmo que ela não seja a destinatária final.
Mas, para isso, a vulnerabilidade da empresa tem que ser comprovada, exigindo uma análise individual de cada disputa.
Aplicabilidade do CDC entre empresas: exemplos reais
Uma reportagem publicada no site do STJ (Superior Tribunal de Justiça) comentou alguns casos nos quais a aplicação do CDC foi analisada em disputas entre empresas.
A seguir, trazemos um resumo de alguns dos exemplos para você entender melhor os critérios adotados pela Justiça. Começaremos com exemplos de decisões contrárias à aplicação do CDC.
Decisões contrárias à aplicação do CDC entre empresas
1. Venda de ingressos e intermediação de pagamentos
Uma empresa que vendia ingressos online tentou aplicar o CDC contra a intermediadora de pagamentos. Nesse sentido, alegou hipossuficiência por ser menor frente a uma empresa com atuação global, mas a Terceira Turma do STJ rejeitou o argumento por falta de provas concretas da vulnerabilidade.
Assim, a decisão destacou que a vulnerabilidade é indispensável para o reconhecimento da condição de consumidor quando o produto ou serviço é adquirido no desenvolvimento da atividade empresarial.
Ou ponto ressaltado foi que cabe à empresa que adquiriu o produto ou serviço comprovar sua vulnerabilidade.
2. Contrato de empréstimo para atividade empresarial
Uma empresa tomou empréstimo para expandir seus negócios e o MP (Ministério Público) tentou aplicar o CDC contra o banco.
Porém, o STJ entendeu que o contrato tinha natureza de insumo, e não de consumo. E o CDC só caberia se ficasse evidente a hipossuficiência da empresa, o que não ocorreu.
3. Capital de giro não configura relação de consumo
Em mais um caso de contrato bancário, uma empresa buscava a aplicação do CDC na contratação de capital de giro.
Aqui, a decisão do STJ também foi contrária à aplicação do CDC: o serviço foi usado para fins produtivos, não como consumo final.
Além disso, a empresa não demonstrou vulnerabilidade (ser microempresa, por si só, não basta).
Decisões favoráveis à aplicação do CDC entre pessoas jurídicas
Várias decisões envolvendo disputas entre empresas admitiram o uso do CDC. Confira três exemplos a seguir:
4. Compra de aeronave por empresa imobiliária
Uma empresa comprou um avião para uso próprio e alegou ser consumidora. Neste caso, o STJ aceitou o argumento: como o bem não foi adquirido para revenda ou produção, ela era destinatária final.
Inclusive, a decisão impactou a definição do foro competente, ou seja, o local onde a ação judicial deveria ser julgada.
Isso porque o artigo 101 do CDC dá ao consumidor o direito de escolher o foro, podendo ajuizar a ação num local mais acessível.
5. Contratação de seguro para proteção patrimonial
Em dois casos, empresas contrataram seguros para proteger seu patrimônio. Assim, o STJ entendeu que, como elas eram destinatárias finais do serviço e não houve reutilização no processo produtivo, o CDC se aplicava.
Além disso, cláusulas contratuais ambíguas ou abusivas foram vistas como contrárias ao princípio da transparência.
6. Seguro contratado por transportadora
Uma transportadora buscou reembolso da seguradora após um acidente com terceiros.
Então, o STJ reconheceu a empresa como consumidora, ao contratar o seguro como destinatária final.
No entanto, como a cobertura não incluía a hipótese em questão, o pedido foi negado, mas não por falta de relação de consumo.
Quais outras leis tratam das relações de consumo entre empresas?
Mesmo quando não é possível aplicar o CDC, a relação de consumo entre empresas é regida por outras leis do direito civil e empresarial.
Nesse caso, as principais leis para fundamentar disputas entre pessoas jurídicas são: o Código Civil e a Lei da Liberdade Econômica.
Código Civil (Lei n.º 10.406/2002)
O Código Civil abrange pontos relevantes para analisar relações entre empresas, incluindo:
- Validade e interpretação dos contratos;
- Boa-fé objetiva e função social do contrato;
- Responsabilidade por inadimplemento e danos;
- Regras sobre obrigações, pagamentos e prazos.
Lei n.º 13.874/2019
Trouxe mudanças com foco na redução da burocracia e valorização da autonomia privada nas relações entre empresas.
Assim, esta Lei fortalece a ideia de que, quando existe equivalência de poder entre as partes, elas devem arcar com os riscos do negócio e cumprir o acordado, respeitando os limites legais.
Outras Normas e Leis Complementares
Dependendo do tipo de negócio, diversas outras leis e normas podem influenciar a relação entre empresas, incluindo:
- Código Comercial (ainda parcialmente em vigor): válido para relações comerciais mais antigas ou específicas, como transporte marítimo de mercadorias;
- Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/1976): essencial para empresas organizadas como S/A., regulando suas operações e relações internas e externas;
- Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei n.º 11.101/2005): para saber como lidar com empresas em crise financeira, seja credor ou devedor;
- Lei da Representação Comercial (Lei n.º 4.886/1965): regula especificamente a relação entre empresas que contratam representantes comerciais;
- Lei da Franquia Empresarial (Lei n.º 13.966/2019): define as regras para quem trabalha com franquias, seja franqueador ou franqueado;
- Legislação Tributária, Trabalhista e Regulatória: normas que sempre impactam os negócios e podem definir cláusulas contratuais;
- Normas Técnicas (ABNT) e regras de agências reguladoras (Anatel, Anvisa, ANTT, etc.): se aplicáveis ao produto ou serviço, são de observância obrigatória e podem influenciar diretamente os contratos;
- Tratados e Convenções Internacionais: se a empresa faz negócios com outros países.
Resumindo: mesmo quando o CDC não se aplica, sua empresa ainda tem direitos garantidos pelo Código Civil e outras leis específicas;
Esperamos ter solucionado suas dúvidas sobre o conceito de consumidor pessoa jurídica e seus direitos.
Lembrando que uma assessoria jurídica especializada faz toda a diferença na hora de fechar contratos com fornecedores e traz maior proteção caso algo saia errado.
Até a próxima e bons negócios!